Entendendo os conceitos
A distinção entre artesanato e arte popular é sutil, mas importante — e, muitas vezes, mal compreendida. Embora ambos os termos remetam à produção cultural feita fora dos circuitos acadêmicos e industriais, eles carregam intenções e estruturas distintas.
Artesanato
O artesanato é geralmente associado à produção manual de objetos utilitários ou decorativos, muitas vezes elaborados por comunidades ou grupos que dominam técnicas tradicionais transmitidas por gerações. Há foco na execução técnica, no domínio do material e na repetição padronizada. A originalidade pode estar presente, mas frequentemente a criação individual não é o centro do processo, e sim a preservação da técnica.
Arte Popular
Já a arte popular é marcada por uma criação singular e inventiva. O artista — geralmente autodidata — se expressa de forma autêntica e muitas vezes simbólica, ainda que usando materiais simples e técnicas tradicionais. Aqui, a obra não é apenas bem feita: ela carrega uma visão de mundo, uma história, uma crítica ou uma poética particular.
A arte popular não se limita à função ou à repetição. Ela afirma a individualidade do criador, mesmo que esse esteja profundamente ligado a uma tradição regional ou coletiva.
Foto: obra de Antônio Julião.
Exemplo de artista popular brasileiro: GTO
Geraldo Teles de Oliveira – GTO (1913–1990) é um dos nomes mais relevantes da arte popular brasileira. Nascido em Itapecerica (MG), trabalhou como pedreiro, vigia e guarda sanitário antes de começar a esculpir em madeira, inspirado por um sonho que interpretou como um chamado divino.
GTO desenvolveu uma linguagem visual própria, esculpindo figuras humanas em composição circular, em obras que remetem a danças, rezas, festas e movimentos coletivos. Suas esculturas carregam religiosidade, crítica social e memória popular.
Mesmo sem formação formal, participou de importantes exposições, incluindo a Bienal Internacional de São Paulo e a Bienal de Veneza, e hoje está presente em acervos como o do Museu do Louvre e do Museu de Arte da Bahia.
Foto: obra de GTO.
Outros mestres da arte popular brasileira
Abaixo, três artistas populares cujas obras expressam uma identidade visual singular e um profundo vínculo com suas raízes regionais:
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Itamar Julião (1938–2020) – Escultor mineiro conhecido por suas figuras estilizadas em madeira, que representam tipos humanos e animais com gestos contidos e formas alargadas. Suas obras foram expostas em instituições como o Museu de Arte de São Paulo (MASP) e o Palácio da Aclamação.
Foto: obra de Itamar Juliãona Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo, SP.
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Artur Pereira (1920–2003) – Também mineiro, de Cachoeira do Brumado, é reconhecido por suas esculturas em madeira, especialmente animais com contornos geométricos e uma elegância formal muito própria. Participou de diversas exposições e está presente em coleções nacionais e internacionais.
Foto: obra de Artur Pereira.
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Miramar Borges (1942–2006) – Artista autodidata de Minas Gerais, suas obras são especialmente conhecidas pelas colunas esculpidas em madeira, totalmente vazadas e adornadas com figuras de animais. Miramar recebeu incentivo significativo de Artur Pereira, mestre da escultura mineira, que o encorajou a abandonar a pedra-sabão em favor da madeira.
Foto: obra de Miramar Borges
Conclusão
A distinção entre artesanato e arte popular não é absoluta, mas conhecer suas diferenças nos ajuda a valorizar a complexidade da produção cultural brasileira. O artesanato preserva técnicas e tradições, com foco na habilidade manual e na função prática. Já a arte popular revela a força criativa do indivíduo, expressando uma visão de mundo por meio da matéria — seja madeira, barro ou metal.
Ambas as manifestações são fundamentais, mas é na arte popular que encontramos, com mais clareza, o gesto autoral, a obra que fala com o tempo e com o povo, mantendo viva uma das expressões mais genuínas da cultura brasileira.
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